Notícia  /  10.02.2020

Carlos Lopes: «Não se é campeão de qualquer maneira»

Um campeão olímpico começa a ser campeão muito tempo antes. Foi com estas palavras que António Simões lançou a conversa com o primeiro campeão olímpico português, Carlos Lopes, durante a tertúlia levada a efeito esta segunda-feira, no Comité Olímpico de Portugal, pelo CNID – Associação dos Jornalistas de Desporto, em parceria com a Academia Olímpica de Portugal. E logo acrescentou que o maior sucesso olímpico de Carlos Lopes começou em Vildemoinhos, sua terra natal, onde uma imitação da assinatura do pai valeu ao jovem atleta o início de uma das mais extraordinárias carreiras desportivas em Portugal.

A partir daí, as histórias foram sendo desfiadas, com Carlos Lopes a começar por explicar o que o levou a fazer a «falsificar» a assinatura do pai, para pouco depois entrar nos seus sucessos competitivos e lamentar que os três «grandes» tenham deixado de ter pistas de atletas, vendo nesse facto um dos fatores que levaram a que o meio-fundo do atletismo seja hoje o que é em Portugal.

Sendo um dos jornalistas portugueses que melhor conhecem a carreira desportiva e a vida do convidado da tertúlia, António Simões assinalou ser Carlos Lopes uma pessoa muito emocional e que não perdoa a quem não honra a palavra. E aí esteve o mote para nova história, em que o antigo atleta do Sporting descreveu a vinda dos arredores de Viseu, onde era torneio mecânico, para Lisboa, onde passou a precisar de levantar-se às 6 horas da manhã para poder chegar às 8 horas ao trabalho. Carlos Lopes acrescentou: «Quando se gosta do que se faz, não há problema de trabalhar e treinar. Mas quando se quer obter bons resultados, não pode ser assim e foi preciso pedir que honrassem a palavra dada para eu poder passar a treinar-me em condições.

Neste domínio, o treinador Moniz Pereira teve um papel fundamental, ao ensinar o jovem atleta a ser paciente, numa idade em que qualquer rapaz quer tudo de repente. Tendo em Manuel de Oliveira e Anacleto Pinto as duas principais referências desportivas da juventude, Carlos Lopes valoriza ainda o facto de ter tido companheiros como Fernando Mamede, Aniceto Carlos ou Carlos Cabral para que pudesse atingir o nível a que chegou.

António Simões lembrou ainda que «o Lopes pensava as competições antes e só depois definia o plano de cada prova», pretexto para que o campeão descrevesse a forma como planeou na véspera o campeonato do mundo de corta-mato de 1985, no Jamor, e depois teve de alterar os planos por três vezes depois da chegada ao local da competição – primeiro após verificar o estado do piso; depois, em função da reação dos atletas africanos (que atacaram mais cedo do que ele previra); e, por fim, quando reconheceu ser o momento de atacar.

E se o campeão tinha começado a formar-se ainda jovem, em Vildemoinhos, foi ao longo de toda a vida desportiva que deixou bem claro onde estava a sua superioridade: «Na cabeça dele, era sempre o primeiro logo à partida. Ainda a prova não tinha começado, já ele pensava no primeiro lugar e na maneira de alcançá-lo.»

Carlos Lopes concluiu a conversa salientando a importância de Moniz Pereira e de Alfredo Melo de Carvalho na fase de preparação para os Jogos Olímpicos de 1976, o primeiro como treinador, o segundo como dirigente da antiga Direção Geral dos Desportos, um e outro responsáveis por que tivesse sido possível fazer treino bidiário três vezes por semana. A primeira consequência dessa novidade foi o primeiro de três títulos mundiais de Carlos Lopes no corta-mato, logo em fevereiro de 1976 (em Chepstow, Reino Unido), a que se seguiria, nesse verão, a medalha de prata nos 10 mil metros dos Jogos Olímpicos. Para Carlos Lopes, esse foi o ano da viragem nos resultados e no desporto. «Não contava ganhar no crosse mas apenas ficar nos 10 primeiros. O prof. Melo de Carvalho deu-nos a possibilidade do treino bidiário três vezes por semana e deu resultado. Começou-se a acreditar no desporto nacional e depois reforçou-se com a prata em Montreal», lembrou, para acrescentar em conclusão: «Criaram-se muitas ilusões, porque não se é campeão de qualquer maneira. É preciso querer e preparar-se para cada momento. E isso não está ao alcance de todos.»

A conversa com Carlos Lopes, moderada pelo jornalista António Simões, de «A Bola», foi a primeira de uma série de tertúlias organizadas pelo CNID e pela AOP e integradas no Programa Cultural Olímpico 2020.

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